O Banco Central Europeu (BCE) confirmou as expectativas do mercado e subiu ontem as taxas de juro de referência na Zona Euro. Além disso, deixou o alerta de que, em Março, haverá um novo aumento. Quais as razões para esta quinta subida consecutiva dos juros? Que impactos terá para as famílias portuguesas?
A autoridade monetária liderada por Christine Lagarde subiu as taxas de juro de referência na Zona Euro em mais 50 pontos base, colocando as taxas diretoras do BCE no nível mais elevado desde 2008. Além disso, o BCE já deixou o aviso de que irá voltar a subir os juros em Março.
Os analistas e economistas contactados pelo MoneyLab explicam os motivos que estão na origem desta subida e quais os seus objetivos.
Combate à inflação
“A inflação demasiadamente elevada na Zona Euro, continuando bastante acima do objetivo da estabilidade de preços do BCE de 2%, dita a atual postura energicamente restritiva do BCE, apesar de um gradual abrandamento dos preços nos últimos meses, sobretudo em Janeiro com a descida do ritmo de alta para 8,5% da inflação homóloga”, justifica Paulo Rosa, Economista Sénior do Banco Carregosa.
O economista explica que esta “alta dos juros visa diminuir o rendimento disponível das famílias e aumentar as alternativas de poupança dos aforradores, tendo como principais objetivos retirar poder de compra e diminuir a procura, contribuindo para a desaceleração da inflação para os 2%”.
Pedro Amorim, analista financeiro da Eurotrader, salienta que o BCE “sempre se preocupou com o tema da inflação desde o seu surgimento, cuja meta ronda os 2% de taxa de inflação anual” e que “o instrumento monetário mais rápido para mitigar a pressão inflacionista é retirar dinheiro em circulação através da subida de taxas de juro”.
“Aumentando os juros faz com que o acesso ao crédito seja mais caro e, por sua vez, a sua procura diminuirá. Deste modo, o consumo e o investimento serão menores e provocará uma diminuição geral dos preços. Espera-se que a inflação vá perder força nos próximos meses”, antecipa o responsável.
O economista João César das Neves defende que “as taxas de juro do BCE mantêm-se muito abaixo dos níveis de inflação, sendo portanto ainda fortemente negativas em termos reais. Mesmo assumindo que este surto de subida de preços se deve a choques pontuais, e não a uma desvalorização da moeda, o banco central não pode ser complacente, até porque a Fed tem valores muito acima dos europeus e voltou hoje a subir as suas taxas”.
“Se há alguma coisa a dizer é que os juros do BCE estão ainda baixos, e essa timidez pode sair cara”, alerta.
Já Pedro Lino, CEO da Optimize Investment Partners, acrescenta que “as taxas de depósito subiram para os 2,5% e as de empréstimo para os 3%, e visam sobretudo combater a inflação e garantir que durante este ano os preços descem de forma consolidada e não termos efeitos secundários na economia”.
Impacto no crédito à habitação
A subida dos juros por parte do BCE terá impacto nos empréstimos à habitação, segundo os analistas e economistas contactados pelo MoneyLab.
“O rendimento disponível, sobretudo das famílias, já bastante penalizado em termos reais pela elevada inflação, tende a diminuir cada vez mais à medida que o BCE aumenta as suas taxas de juro, prometendo afetar o PIB substancialmente este ano de 2023”, começa por explicar Paulo Rosa.
O economista alerta que “aqueles que têm empréstimos indexados às taxas Euribor a 3 e 6 meses terão, com alguma certeza, ainda atualizações em alta do seu contrato no prazo de renovação, mas é provável que os empréstimos à habitação vinculados à Euribor a 12 meses já tenham algum alívio daqui a 12 meses, em Janeiro de 2024, relativamente aos valores atualmente observados”.
Pedro Lino não tem dúvidas em afirmar que “as famílias portuguesas já estão a sentir o agravamento dos custos com os empréstimos, sendo que esta decisão já era esperada. O BCE referiu que em Março irá subir novamente os juros em 0,5%, altura em que fará uma nova reavaliação do nível dos juros”.
Neste sentido, alerta que “as famílias devem esperar um agravamento das suas prestações até fim do ano, e manutenção das taxas até ao primeiro trimestre de 2024, altura a partir da qual o mercado espera uma inversão da tendência de subida dos juros. Aliás, os mercados financeiros estão já a olhar para 2024 e a descontar que o BCE reduza os juros em 0,75%, para o que deverá ser uma taxa de depósitos de 2,5%”.
A subida dos juros pelo BCE “apresenta enormes riscos para as famílias detentoras de crédito”, diz taxativamente Pedro Amorim. O analista estima que “as prestações do crédito habitação vão continuar a aumentar e sem qualquer previsão de limites máximos. Vai haver menos rendimento disponível para fazer face às despesas quotidianas. Segundo as nossas análises, podemos registar máximos históricos das taxas Euribor se a inflação continuar elevada. Estamos a viver a época de maior inflação da história da Zona Euro”.
“No caso concreto de Portugal, não vamos ter um aumento da mesma proporção dos juros sobre os depósitos a prazo, porque os bancos estão com níveis de liquidez elevados, a procura do crédito vai diminuir e portanto não necessitam de captar mais recursos para os seus balanços”, sublinha.
João César das Neves também deixa o aviso: “O tempo aberrante das taxas de juro minúsculas, que durou mais de 13 anos desde o fim de 2008, acabou”.
“As famílias endividadas vão ter de aprender a viver com uma fatura de juros que, não sendo enorme, será bastante superior ao que tem sido. Isso vai somar-se a mais dois problemas. O primeiro é a fatura do mais devedor do país, o Estado, e que todos vamos sentir nos impostos. O segundo é a subida de preços. Tudo isto pode criar graves dificuldades às famílias portuguesas, sobretudo as mais carenciadas. No entanto, tal ilustra, simplesmente, como era fictícia boa parte da prosperidade, ou pelo menos facilidade, que se viveu até à pandemia”, sublinha.
Subidas correspondem à ideia do BCE de controlar a inflação?
O economista Paulo Rosa levanta uma nova questão: será que estas subidas consecutivas dos juros estão a corresponder à ideia do BCE de controlar a inflação? “É certo que a inflação é maioritariamente do lado da oferta e impulsionada em grande medida pelos preços da energia, sobretudo do gás natural, e pelos preços dos alimentos, aumentos estes ditados pela guerra na Ucrânia”.
“No entanto, a reposição dos salários é uma ameaça à estabilidade dos preços. O salário mínimo na Alemanha aumentou 22%, intensificando a pressão sobre a inflação, sobretudo sobre o índice de preços no consumidor subjacente, o que exclui alimentação e energia. E a inflação germânica é precisamente aquela que mais pesa nas decisões do BCE, podendo deste modo além de atrasar um alívio das taxas de juro, alimentar mais essa mesma alta”, explica.
“Entretanto, o BCE está a operar o seu trabalho, procurando travar a inflação mais elevada das últimas décadas, mesmo esta sendo inicialmente do lado da oferta, correndo assim o risco acrescido de culminar numa recessão esta postura monetária energicamente restritiva do banco central da Zona Euro. Além de que o seu trabalho está a ser colocado em causa por políticas remuneratórias inflacionistas germânicas”, conclui.