Depois de dois anos de interregno forçado, o Fórum Económico Mundial regressou à estância de ski de Davos, na Suíça, em formato presencial. O evento que junta grandes decisores do mundo da economia, da política e da diplomacia para discutir os temas que estão a marcar a atualidade tinha data marcada para Janeiro, como é habitual, mas o alastramento da variante Ômicron pelo continente europeu obrigou a um reagendamento. O Fórum decorreu de 22 a 26 de Maio e contou com 2.500 convidados, entre eles mais de 50 chefes de Estado e líderes de empresas de todo o mundo.
“História num ponto de viragem: políticas governamentais e estratégias empresariais” foi o tema do ano, e claro que o conflito armado entre a Rússia e a Ucrânia, que estalou em Fevereiro, não podia ficar de fora. Foi, precisamente, o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky a abrir o evento.
A economia também foi merecedora de atenção no Fórum, numa altura em que vários países se debatem com o problema da inflação e com a interrupção do fornecimento de cereais da Ucrânia devido ao bloqueio russo, no Mar Negro. A recuperação depois da pandemia, as alterações climáticas e a evolução do trabalho foram outros dos tópicos em agenda. Para abordar todos estes temas estiveram presentes responsáveis do Fundo Monetário Internacional (FMI), do Banco Mundial e de alguns bancos centrais.
Segundo os organizadores, esta terá sido a edição “mais oportuna” desde a criação do Fórum. Os problemas que a economia e a sociedade enfrentam têm posto à prova todos os líderes e negócios.
A guerra na Ucrânia
O conflito entre a Rússia e a Ucrânia foi o tema mais discutido naquela que foi a primeira edição, desde a Guerra Fria, em que não houve nenhum empresário ou líder político russo entre os convidados para o Fórum de Davos.
No discurso de abertura da edição de 2022, transmitido através de videoconferência, Zelensky pediu “sanções máximas” para a Rússia. Já o secretário geral da NATO, Jens Stoltenberg, garantiu que o país governado por Vladimir Putin terá uma presença crescente da organização nas suas fronteiras, ao contrário do que desejava. “É claro que a Rússia não alcançou os seus objetivos. O que era para ser uma operação militar curta, está a tornar-se uma guerra longa e custosa para a Rússia”.
Stoltenberg explicou que a guerra mostra que “relações com regimes autoritários podem criar vulnerabilidades” tais como a dependência da importação de commodities, como a energia, riscos na exportação de tecnologias, como a inteligência artificial e o “enfraquecimento da resiliência causado pelo controlo estrangeiro de infraestruturas-chave”, como é o caso da rede 5G.
No segundo dia de conferências, foi a vez de Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, deixar várias mensagens a Vladimir Putin: afirmou que a Rússia pode ainda encontrar um lugar na Europa “se voltar à democracia, ao estado de direito e ao respeito pela ordem internacional” e deixou claro que é a Ucrânia quem deve vencer a guerra.
A “chantagem russa” e os receios de uma crise alimentar global
Naquele que foi um dos discursos mais importantes do segundo dia, Von der Leyen debateu-se ainda sobre o bloqueio russo nos portos ucranianos, que está a comprometer exportações de toneladas de cereais para vários países e a adensar um cenário catastrófico de fome.
A líder está convicta de que o Ocidente acabará por encontrar forma de terminar com a “chantagem russa” mas considera que os sinais de uma crise alimentar mundial são cada vez mais evidentes. Os representantes das Nações Unidas não podiam estar mais de acordo. A organização considera que se trata de uma declaração de guerra à segurança alimentar global que vai prejudicar principalmente os países mais pobres de África. Neste sentido, o presidente polaco Andrzej Duda fez um alerta para o sul da Europa, colocando em cima da mesa a hipótese de uma nova crise migratória causada pelo problema alimentar.
O problema dos preços dos alimentos
Logo no primeiro dia do Fórum, Kristalina Georgieva, diretora-geral do FMI, falou do aumento de preços dos alimentos a nível internacional, lembrando que ao contrário do que acontece com os combustíveis, as pessoas precisam de comer todos os dias.
“Há um choque de preços nas commodities em vários países mas quero chamar-vos à atenção para o dos preços da comida. Na semana passada, talvez pela ideia de que a economia está em apuros, o preço do petróleo desceu, mas o da comida continua subir”, ressalvou Georgieva.
Também para Jane Fraser, CEO do Citigroup, esta é a maior preocupação de todas. “Quando há pessoas a passar fome em todo o mundo – e vão existir cerca 1,5 mil milhões de pessoas com fome, sem meios ou acesso à comida, nomeadamente em África, mas não só – há um problema.”
Fraser mostrou-se ainda apreensiva com a hipótese de uma recessão económica no Velho Continente, “no meio da tempestade dos problemas na cadeia de abastecimento, da crise energética e da proximidade das atrocidades que estão a acontecer na Ucrânia.” Na verdade todos estes fatores contribuiram para a revisão em baixa das previsões de crescimento da Zona Euro no mês passado, quando a inflação voltou a bater recordes.
A inflação galopante
O período pós-Covid devia ter-se traduzido num crescimento mais acelerado do PIB (Produto Interno Bruto) na Europa e nos Estados Unidos mas não foi nada disso que se verificou. A inflação que se faz sentir e parece não querer dar tréguas, num futuro próximo, não está a ser devidamente acompanhada por um aumento dos salários.
Todas as condicionantes atuais estão a contribuir para a manutenção de elevados níveis de inflação. Segundo a maioria dos analistas presentes no Fórum Económico Mundial, ela espera-se cada vez mais alta e a verdade é que isso se nota na reação dos bancos centrais, que já começaram a mexer nas taxas de juro.
Nova recessão global a caminho?
Num ano em que o FMI estima que o crescimento económico global abrande para os 3,6% (distante dos mais de 5% de 2021) a líder do Fundo aproveitou o Fórum Económico Mundial para afastar o cenário de uma recessão global. O que Kristalina Georgieva não descarta é a possibilidade de ela chegar a alguns países. “Pode haver uma recessão nos países que estão naturalmente mais enfraquecidos. Os que não recuperaram da crise que o Covid causou, os que estão mais dependentes da Rússia para energia ou comida e os que já tinham um ambiente mais fraco.”
O que é o Fórum Económico Mundial?
Trata-se de uma organização sem fins lucrativos que foi fundada em 1971 pelo economista alemão Klaus Schawb, com sede na Suíça. A organização nasceu para “envolver os principais líderes políticos, empresariais, culturais e outros da sociedade para moldar as agendas globais, regionais e da indústria” e começou a realizar encontros anuais em 1988. Estes encontros têm data marcada para Janeiro de cada ano na cidade de Davos, conhecida pelos resorts de ski. A verdade é que o local foi sendo tão associado ao Fórum, que este também é conhecido por Fórum de Davos ou somente Davos.
Com mais de 50 anos de existência, o Fórum de Davos é a plataforma internacional onde se discutem os temas mais importantes da atualidade e onde se encontram líderes governamentais e das maiores empresas do mundo. Afinal, a organização conta atualmente com as mil maiores empresas a nível global, entre os seus membros.