Testemunhámos no passado dia 20 de abril um acontecimento histórico (2020 parece repleto deles). Pela primeira vez, o preço de referência do petróleo americano, West Texas Intermediate (WTI), caiu em território negativo.
O que precipitou esta queda acentuada? Deveu-se, principalmente, à tecnicidade do mercado mundial de petróleo e à falta de capacidade de armazenamento. Sem colocar de parte esta explicação, existe uma maneira mais simples de descrever o que aconteceu recorrendo a uma das frutas preferidas de muitos millennials: o abacate.
Evitar abacates podres
Se é o típico millennial fã de “tostas de abacate”, poderá entender muito bem o mercado de abacate. Sabe que os preços variam de acordo com a estação do ano – como crescem no inverno são, geralmente, mais baratos nesta altura, e o seu preço tende a aumentar durante o verão.
Digamos que para tirar partido do preço durante o inverno, você faça uma encomenda de 1000 abacates para liquidação durante o verão. O produtor fica feliz porque vendeu os seus abacates com antecedência e você fica feliz porque acredita que poderá lucrar com a sua venda no mercado local, a um preço mais alto durante o verão (não, eles não são todos para si!).
Contudo, sem o seu conhecimento, um agricultor aumentou a produção e plantou cinco vezes mais do que o habitual, e o mercado ficou “inundado” de abacates.
E com isto chega o coronavírus, países de todo o mundo entram em confinamento e ninguém vai às lojas comprar abacates, levando a uma enorme queda na procura. Os seus 1000 abacates que chegam ao mercado representam um aumento ainda mais acentuado no abastecimento do mercado local e, consequentemente, o lojista não quer mais comprá-los a si. Correndo o risco de ter 1000 abacates a apodrecer em sua casa, disponibiliza-se para pagar ao lojista para ficar com eles.
O mercado do petróleo ficou em forma de pêra
Em poucas palavras, foi o que aconteceu recentemente ao preço de referência do petróleo americano. Existia um contrato que previa a entrega de petróleo em maio e que expiraria a 21 de abril. Quem quer que fosse que tivesse formalizado este contrato era obrigado a estar pronto para receber a entrega física do petróleo nesse dia e a armazená-lo a um custo substancial.
Os comerciantes de petróleo, que negociam tais contratos, nunca querem receber fisicamente a mercadoria subjacente (barris de petróleo). Eles só querem lucrar, comprando e vendendo contratos no momento certo. Tal como na analogia aos abacates, você nunca quer realmente os 1000 abacates para si, quer sim vendê-los todos no mercado local, regularmente.
Tal como no mercado dos abacates, o mercado do petróleo já estava inundado porque a Arábia Saudita tinha aumentado a produção no início do ano, e com os países e as rotas de transporte fechados, havia também uma diminuição na procura. Esta combinação de fatores originou uma pressão nos preços e traduziu-se também numa diminuição da capacidade de armazenamento. Entretanto, os contratos de petróleo estavam prestes a expirar, o que significava ainda mais abastecimento a chegar ao mercado. Sem ter onde armazenar o petróleo, os donos dos contratos estavam tão desesperados para se livrarem dos contratos, que estavam dispostos a pagar a alguém para ficar com os mesmos ou para aceitar a entrega física (tal como estaria disposto a pagar a alguém para ficar com os seus abacates, em vez de ficarem em sua casa a apodrecer).
Preços negativos não são a norma
Apesar de os preços negativos serem um acontecimento raro, constata-se assim que não é impossível acontecer. E muito embora o preço de referência do petróleo americano tenha recuperado nos últimos dias, os especialistas esperam que se mantenha volátil nas próximas semanas, pelo menos.