O que podemos esperar deste ano, em termos de investimento? Que mercados e setores podem ser mais apetecíveis? E de que forma os juros, a inflação e os eventos geopolíticos podem afetar as carteiras? Descubra as oportunidades que existem para investir em 2024, na visão dos analistas.
Esta semana, Christine Lagarde, presidente do Banco Central Europeu, confirmou que as taxas diretoras na Zona Euro não irão ver descidas a curto prazo, apontando o verão como um cenário provável para os primeiros cortes. Nos Estados Unidos, é incerto quando começarão os cortes nas taxas, com algumas previsões a apontar para maio.
O compasso de espera pode refletir-se nos mercados, expetantes por um alívio das taxas de juro, depois de um 2023 muito pressionado pelas subidas constantes nos blocos europeus e norte-americano. Ainda assim, em sentido contrário às famílias (cujos orçamentos foram duplamente esmagados por elevada inflação e elevados juros nos créditos), 2023 foi um ano forte para as principais bolsas.
2024, a esperança de um Soft Landing?
Na sequência da estabilização da inflação e com o pico das taxas de juro previsivelmente atingido (caso não existam novas crises inflacionistas), o mercado ajusta-se a um novo ano. Mas o que esperam os analistas para este ano?
Para Steven Santos, head of Trading Platforms & Brokerage do Banco BiG, “a perspetiva de Soft Landing económico permanece o nosso cenário base – ainda que este contemple a inevitabilidade de uma recessão moderada”.
Soft Landing (ou, em português, “aterragem suave”) é um termo económico para quando um período de elevada inflação não dá origem a uma recessão grave. Ou seja, quando os bancos centrais usam as taxas de juro para controlarem a inflação, desacelerando a economia, mas sem chegar a níveis altos de desemprego e a um declínio significativo na atividade económica. É um equilíbrio difícil de manter (e a história mostra como este é um fenómeno raro), mas os dados económicos de 2023 permitem alimentar esta esperança.
Como explica Ângelo Custódio, trader do Banco Best, “o mercado encontra-se maioritariamente convencido de que as principais economias mundiais poderão alcançar o ‘objetivo’ de Soft Landing em 2024”, antevendo os cortes nos juros ao longo do ano. “Essa é uma situação que poderá levar a uma compressão das taxas de mercado beneficiando o prémio de risco nas ações, isto apesar de o mercado já ter descontado a possibilidade de Soft Landing e a concentrada contribuição de ‘megacaps’”, adianta o analista, lembrando ainda que a desaceleração da atividade global tem também de ser tida em conta nas perspetivas para 2024.
Rina Guerra, gestora de ações no Banco Carregosa, reforça a expetativa de Soft Landing, confirmando-se uma evolução positiva da inflação. “Os investidores estão também otimistas quanto à trajetória de crescimento económico: o tão falado cenário de Soft Landing parece estar a reunir o consenso global. Se estas premissas se revelarem corretas, temos os ingredientes para um bom desempenho nos mercados em 2024”.
A gestora distingue cenários entre Europa e Estados Unidos, sublinhando que “a inflação parece mais controlada nos Estados Unidos, onde o cenário de Soft Landing parece mais realista; já na Europa, a inflação tem-se mostrado um pouco mais persistente e o seu tecido empresarial é, de facto, mais vulnerável ao cenário de recessão”.
Um ano de volatilidade
Apesar de algum otimismo, subsistem elevadas incertezas em 2024. A par da espera pela concretização das expetativas de descida dos juros e do controlo da inflação, há também impactos geopolíticos a ter em conta – e que não são de menosprezar. Os conflitos no mundo, a tensão no Mar Vermelho (com todas as consequências no transporte global) e as mais de 40 eleições nacionais agendadas para este ano são alguns dos fatores que trazem riscos e pressões acrescidas à economia.
As questões políticas são, precisamente, um dos temas de destaque indicados por Paula Gonçalves Carvalho, da área de Estudos Económicos Financeiros do BPI. “Os fatores de ordem política deverão continuar a imperar: a evolução dos conflitos na Palestina e na Ucrânia, a postura da China e dos EUA nas questões comerciais, as eleições presidenciais nos EUA serão alguns dos maiores fatores catalisadores de volatilidade”, explica.
Nuno Sousa Pereira, partner e head of Investments na Sixty Degrees reforça também o impacto de um ano marcadamente eleitoral: “é um ano com um calendário eleitoral muito intenso à volta do mundo, numa altura em que partidos não-moderados estão a ganhar votos, o que traz sempre incerteza sobre a continuidade de governos e políticas económicas em curso”.
O analista reforça que a “volatilidade voltará a ser uma realidade”, com “a diminuição da liquidez do mercado e os atuais níveis de expetativas de cortes agressivos das taxas de juro”, algo a ter em conta para quem pretende investir em 2024.
Prova de fogo para as empresas
Mesmo com o desfecho esperado da crise inflacionista, a economia prepara-se para o impacto. Como explica Vítor Madeira, analista da XTB, “dentro de alguns meses, o impacto das subidas das taxas de juro deverá ser sentido na sua totalidade por famílias e empresas, fazendo abrandar o investimento, aumentando o desemprego e diminuindo a atividade económica”.
O analista considera que as “grandes empresas poderão continuar a aumentar os seus resultados, mas a um ritmo mais baixo, assumindo que não existirá nenhum choque externo relevante”, algo que pode “levar a aumentos de volatilidade nas bolsas”.
Nas perspetivas para o que trará 2024, António Seladas, diretor da boutique de research AS Independent Research, também reforça que “a incerteza é elevada”. A expetativa do analista é de “que os primeiros meses do ano manterão a tendência: yields longas nos EUA a caírem, talvez possam ajustar mais 100pb/150pb [bp = pontos-base]; admitindo que a inflação subjacente nos EUA se reduza 100/150pb nos próximos meses”. Nesse sentido, o múltiplo para os próximos 12 meses nos EUA continuará a expandir-se, deverá ultrapassar as 20x (atualmente nas 19.5x) e não podemos excluir valores junto às 21x/22x. A Europa deverá seguir o movimento em ações e com menos intensidade na divida”.
A dúvida reside na capacidade das empresas em apoiar esta evolução. “Os resultados das empresas terão de começar a crescer para sustentar o mercado acionista ou o risco é assistirmos a uma correção dos mercados com alguma intensidade”, lembra o especialista, deixando o aviso de que “existe alguma incerteza na capacidade das empresas fazerem crescer resultados em 2024”, com consensos a apontar “para cerca de +10% nos EUA e Área Euro +5%”.
Oportunidades para investir em 2024
Depois de um 2023 excelente para os mercados, este ano “as rentabilidades devem ser menores, com as obrigações a terem um desempenho à volta dos 4-5% e o mercado acionista com um desempenho positivo, mas inferior a 10%, o que, mesmo assim, é muito bom para os investidores”, comenta Pedro Lino, CEO e presidente do Conselho de Administração na Optimize Investment Partners.
Para onde deverão, então, olhar os investidores à procura de oportunidades para investir em 2024? O mercado norte-americano tem destaque natural, sobretudo com as tecnológicas, mas há outros focos a estar atento.
“O mercado americano e indiano devem destoar-se dos restantes mercados, apesar de os mercados europeus estarem baratos em termos de indicadores fundamentais”, explica Pedro Lino.
Steven Santos, por seu lado, põe em evidência algum interesse de investir em 2024 nas small caps americanas. “O investimento pró-cíclico associado às ações norte-americanas de baixa capitalização bolsista (small caps) apresenta um risco-retorno interessante num horizonte mais largo e traduz-se numa proteção ao nosso viés negativo para a trajetória do outlook económico global – do qual mesmo a economia americana terá dificuldades em evitar”, adianta.
Em termos de setores, Ângelo Custódio afirma que o “mercado não teve dificuldades em selecionar os seus setores preferidos, em especial Wall Street”, destacando o setor tecnológico e das comunicações, que chegam a 2024 com um registo de performances fortes em 2023, mas também o da energia.
Vítor Madeira destaca também o setor tecnológico – especialmente nas áreas de inteligência artificial e tratamento de dados – e na energia, “desde as energias renováveis até ao petróleo”.
Apesar de apetecível – foi o setor líder de 2023 -, há quem prefira expressar alguma cautela nas perspetivas do setor tecnológico. “O movimento de valorização tão expressivo no setor de tecnologia deixa-nos com alguma cautela à luz da forte expansão dos múltiplos de avaliação, excessiva concentração de ganhos nos nomes mais representativos do índice e a eventual perspetiva de taxas de juro elevadas durante mais tempo”, avisa Steven Santos.
Já Nuno Sousa Pereira olha também para outras oportunidades, como empresas que produzem armamento e munições (pelas tensões geopolíticas), empresas ligadas ao Bitcoin (muito devido à aprovação dos ETF de Bitcoin) e mesmo o mercado português ou o chinês – desde que ultrapassados os problemas no mercado imobiliário neste último –, embora não deixe de apontar também o potencial do setor energético.
Perspetivas para o imobiliário
Para investidores que optam por ativos imobiliários, é importante ter em conta de que o setor chega a 2024 numa fase de abrandamento.
“A conjuntura geopolítica e macroeconómica marcou profundamente o mercado imobiliário português em 2023, com os níveis de investimento em ativos comerciais e a ocupação de escritórios a caírem face ao ano anterior”, explica Patrícia Barão, head of Residential na JLL.
Olhando para onde investir em 2024, a especialista sublinha o retalho e a hotelaria como áreas do imobiliário que vêm destacadas do ano passado. Em paralelo, e mesmo numa fase de abrandamento, Patrícia Barão realça que, de forma transversal, “há oportunidades a serem capturadas por investidores mais permeáveis ao risco”, até porque é possível adquirir ativos com menos concorrência ou com “desvalorizações que não têm uma relação direta com a performance operacional dos ativos”.