O que muda no sentimento dos investidores durante os grandes eventos desportivos? Competições como o Campeonato Europeu de Futebol e os Jogos Olímpicos – que coincidem sempre no mesmo verão – têm impacto na valorização e volume de negociação de certas ações? Saiba mais sobre eventos desportivos e mercados, neste artigo.
O verão de 2024 vai ser pródigo, na Europa, em grandes eventos desportivos: a Alemanha recebe, em junho e julho, o Campeonato Europeu de Futebol – Euro 2024. A partir de 26 de julho, é a vez de Paris ser a cidade anfitriã dos Jogos Olímpicos de Verão. Os dois eventos mobilizam milhares de milhões de euros em investimento, custos de organização e receitas estimadas. Mas será que têm impacto nos mercados?
A relação entre os grandes eventos desportivos e o desempenho nos mercados bolsistas tem sido estudada ao longo dos tempos. Um dos impactos verificados é, por exemplo, como os resultados desportivos podem afetar o estado do espírito dos investidores e, por consequência, a dinâmica dos mercados.
Um estudo de 2006 publicado no Journal of Finance, “Sports Sentiment and Stock Returns”, concluiu, por exemplo, que as derrotas em grandes eventos de futebol (como os campeonatos mundiais de futebol) podem causar quebras nos mercados de cerca de meio ponto percentual, em média, no trading day seguinte ao jogo, derivado do estado de espírito dos investidores. Curiosamente, o mesmo padrão não surge em caso de vitórias. Ou seja, não há valorizações significativas no dia seguinte a uma vitória.
A análise teve em conta dados desde os anos 70 do século XX até ao início dos anos 2000, para grandes eventos desportivos de diversas modalidades. O futebol destacou-se pelo maior impacto no estado de espírito dos investidores, sobretudo em países onde o futebol é particularmente importante, em jogos do Campeonato do Mundo e, sobretudo, em partidas eliminatórias.
Este impacto sente-se mais em bolsas de menor dimensão, onde a maior parte das transações é feita por investidores locais, cujo estado de espírito é influenciado pelo desempenho da seleção nacional.
Eventos desportivos e mercados: o que acontece ao volume de transação?
Se o futebol parece afetar diretamente o estado de espírito dos investidores, no caso dos Jogos Olímpicos é mais uma questão de atenção.
Um outro estudo, publicado em 2018 no The European Journal of Finance, conclui que os Jogos afetam mais a atenção dos investidores do que o estado de espírito. E que esse impacto na atenção afeta diretamente o volume de negociações no mercado bolsista.
Segundo este estudo, “Is there an Olympic gold medal rush in the stock market?”, depois de uma vitória olímpica há uma redução significativa do volume de transações e da volatilidade nos mercados bolsistas. Ainda assim, o impacto parece variar de acordo com os mercados. Na Alemanha, a diminuição no volume de transações é de 6,7% no dia seguinte a cada medalha de ouro, por exemplo. Já no S&P 500 dos Estados Unidos, a quebra é menos acentuada: cerca de 3%.
Os resultados têm em conta:
- 4 edições dos Jogos Olímpicos (Londres 2012, Pequim 2008, Atenas 2004 e Sidney 2000);
- 8 economias (Estados Unidos, Reino Unido, França, Austrália, Países Baixos, Alemanha, Coreia do Sul e Japão);
- 5 marcas patrocinadoras multinacionais (Coca-Cola, McDonald’s, Panasonic, Visa e Samsung).
As “ações olímpicas”
Será que há determinadas ações que acabam por beneficiar destes grandes eventos desportivos? Certas empresas ligadas a determinados eventos podem apresentar uma valorização temporária – mais ligada ao sentimento dos investidores do que aos resultados e fundamentais da empresa – , mas os efeitos acabam por não resistir no longo prazo.
Essa é a conclusão de um estudo de 2021 (“Media Attention and Stock Categorization: An Examination of Stocks Hyped to Benefit from the Olympics”) que analisou, precisamente, o desempenho das “ações olímpicas” – ou seja, ações de empresas que os média destacaram como as que poderiam beneficiar da realização de Jogos Olímpicos de Verão.
Este tipo de “ações olímpicas” beneficia de uma valorização temporária a partir do anúncio da cidade anfitriã e até à realização dos Jogos, diminuindo com o fim do evento, de acordo com a análise feita pelo estudo. Durante este período, há maior retorno e volume de transação destas ações em relação a congéneres correspondentes. De destacar também que o volume de transações e volatilidade aumenta em dias em que há destaques na imprensa relacionando essas ações aos Jogos Olímpicos.
“Na nossa análise principal, examinamos os últimos cinco países anfitriões dos Jogos Olímpicos de verão. Em primeiro lugar, verificamos que as rendibilidades das ações olímpicas são até 202% superiores às das ações não olímpicas no período que antecede os Jogos Olímpicos, mas cerca de metade destas rendibilidades superiores invertem-se antes do início dos Jogos. Em segundo lugar, mostramos que a covariação das rendibilidades aumenta entre as ações olímpicas após o anúncio da anfitriã vencedora, aumenta novamente no período imediatamente antes da realização dos Jogos e diminui de seguida [dos Jogos]. Em terceiro lugar, mostramos que as empresas olímpicas não parecem gerar lucros ou receitas cumulativas anormais durante o período olímpico. Por conseguinte, os efeitos de valorização que documentamos não parecem ser motivados por alterações dos fatores fundamentais ou por fortes movimentos nos fatores fundamentais subjacentes”, pode ler-se no estudo.
Os autores deste estudo tiveram em conta cerca de 200 “ações olímpicas”, escolhidas tendo em conta títulos mencionados nos media como beneficiando da realização dos Jogos Olímpicos e a lista de empresas parceiras e patrocinadoras dos Jogos Olímpicos negociadas nos mercados acionistas do país anfitrião de cada Olimpíada. Foram analisados os desempenhos de ações específicas em cinco países anfitriões: Austrália (Sidney 2020), Grécia (Atenas 2004), China (Pequim 2008), Reino Unido (Londres 2012) e Brasil (Rio 2016).
Marcas desportivas nos anos de Euro + Jogos Olímpicos:
o que nos dizem os dados históricos
Para perceber melhor que tipo de impacto podem ter os eventos desportivos na valorização de marcas relacionadas, analisámos o desempenho de três ações de marcas multinacionais de roupas desportiva – NIKE, ADIDAS e PUMA, de 2014 a 2023. Enquanto a primeira é negociada na bolsa de Nova Iorque, Adidas e Puma são negociadas na bolsa de Frankfurt.
Os dados da valorização por ano de cada título foram ainda comparados com o índice norte-americano S&P 500 e o índice europeu STOXX 600, de forma a estabelecer uma referência indicativa.
Os resultados mostram que não há um padrão transversal que permita destacar um efeito isolado do ‘combo’ Campeonatos Europeus e Jogos Olímpicos nestas ações. Ou seja, a dinâmica ao longo dos anos parece estar dependente de outros fatores.
No caso da Nike, 2016 trouxe uma quebra no desempenho acionista (-18.67% entre 1 de janeiro e 31 de dezembro), mesmo sendo um ano marcado por esses dois eventos desportivos. Ainda assim, o verão contrariou a tendência geral do ano para a cotada norte-americana (entre 1 de junho e 31 de agosto, a valorização foi de 4,38%). O desempenho não refletiu o S&P 500, que teve uma valorização de 9,54% entre 1 de janeiro e 31 de dezembro de 2016 (e de 3,52% especificamente entre 1 de junho e 31 de agosto).
Já as alemãs Adidas e Puma tiveram uma valorização positiva em 2016: 67% e 25,08%, respetivamente, entre 1 de janeiro e 31 de dezembro. As cotadas contrariaram a STOXX 600, cujo balanço do ano foi negativo (-1,20%). Focando o verão de 2016, as duas empresas apresentaram valorizações bastante inferiores aos dados anuais (ainda que em terreno positivo).
Depois de 2016, os Jogos Olímpicos e o Campeonato Europeu voltaram a realizar-se apenas em 2021 (a edição seria a de 2020, mas acabou por ser adiada devido à pandemia de Covid-19).
Que resultados encontramos em 2021? De 1 de janeiro a 31 de dezembro, Nike e Puma valorizaram cerca de 16-18%, embora os resultados tenham sido mais dispares entre si no período do verão: enquanto a Nike valorizou 20,72% de 1 de junho a 31 de agosto, a Puma ficou-se pelos 9,52% no mesmo período.
Já a Adidas foi para o negativo em 2021 (-15,01%). No meio do vermelho, o verão acabou por ser uma jornada de maior alívio para a marca alemã, que conseguiu assim respirar em terreno positivo, ainda que por pouca margem. Entre 1 de junho e 31 de agosto, as ações da Adidas valorizaram 0,70%.
Já os índices norte-americano e europeu tiveram bons desempenhos em 2021, muito acima da dinâmica das três cotadas em análises. O S&P 500 fechou o ano com uma valorização de 26,89% e o STOXX 600 de 22,25%.
Fonte: Investing.com e MoneyLab