Depois de um 2022 marcado pelo conflito armado entre dois países exportadores de matérias-primas – Rússia e Ucrânia – pela desaceleração económica e pelo aperto das condições financeiras por parte dos bancos centrais, que comportamento podem os investidores esperar das matérias-primas este ano e quais os fatores – económicos, políticos e sociais – que poderão ser decisivos? E quais as commodities que mais vão brilhar em 2023?
Apesar da incerteza e da volatilidade, os analistas contactados pelo MoneyLab não têm dúvidas em afirmar que este ano existirão duas forças opostas em destaque e que irão determinar o comportamento das matérias-primas: a recessão económica e o aumento da oferta de um lado, e a reabertura da economia chinesa do outro.
“O gradual desaparecimento das dificuldades nas cadeias de abastecimento aumenta a oferta disponível, permitindo um alívio nos preços das matérias-primas. Entretanto, os receios de uma recessão, espelhados nos declives negativos das curvas de rendimentos dos EUA e da Zona Euro, intensificam ainda mais essa eventual queda dos preços das matérias-primas. Todavia, a reabertura da economia chinesa e o provável aumento do consumo da segunda maior economia do mundo poderá acelerar os preços das matérias-primas”, afirma Paulo Rosa, Economista Sénior do Banco Carregosa.
Neste sentido, o responsável salienta que “se por um lado temos os receios de recessão e uma maior oferta a pressionarem em baixa os preços dos metais industriais, dos produtos agrícolas e da energia, a reabertura da economia é uma força contrária e tende a impulsionar os preços das commodities. Duas forças contrárias em destaque no início de 2023″.
Na opinião de Nuno Sousa Pereira, Diretor de investimentos da Sixty Degrees, “o preço das matérias-primas será muito volátil durante o ano, com uma tendência geral ascendente”.
“Existirão alturas do ano em que a pressão sobre as cadeias produtivas, a reabertura da atividade económica na China ou as restrições das exportações vindas da Rússia servirão de catalisador para subidas rápidas e acentuadas em algumas matérias-primas, noutras alturas do ano irá pesar o sentimento negativo associado ao desacelerar económico e menor capacidade do consumidor final, devido ao ambiente de taxas de juro mais elevadas, fatores que poderão abrandar o investimento industrial especialmente em setores consumidores de grandes quantidades de matérias-primas, como a construção”, explica.
Já Ângelo Custódio, Trader do Banco Best, começa por salientar que “as condições globais macroeconómicas vão continuar a deteriorar-se em 2023, mas com as commodities num ‘mercado à parte'”. Neste sentido, “serão as perspetivas da evolução da economia mundial e geopolíticas, conjugadas com a dinâmica entre a procura e a oferta, a ditar a evolução dos preços das mercadorias nos mercados internacionais”. Ainda assim, a expetativa é a de que “a tendência de preços elevados se mantenha ao longo do ano, mesmo que a evolução da procura possa ser revista em baixa, a oferta não deverá crescer o suficiente para garantir o equilíbrio do mercado”.
“Após um início de 2022 marcado pelo irromper de uma guerra entre dois países exportadores de matérias-primas – Rússia e Ucrânia -, as matérias-primas perderam força, em linha com a desaceleração económica e o aperto das condições financeiras induzidos pelos bancos centrais. Uma possível recessão económica a iniciar-se em 2023 teria um impacto negativo na procura por matérias-primas (menos procura), o que, a conjugar com as restrições na oferta global de várias matérias-primas (menos oferta), me leva a ter um posicionamento neutro”, acrescenta Steven Santos, Diretor de Plataformas de Trading & Research do Banco BiG.
Fatores decisivos para o desempenho
São vários os fatores enumerados pelos analistas que serão decisivos para determinar o comportamento das commodities. Contudo, o conflito armado na Ucrânia e a atuação dos bancos centrais mundiais surgem como os mais consensuais.
“Fatores como a política económica dos Bancos Centrais, o conflito na Ucrânia – que deverá continuar a pressionar os preços do petróleo, gás e trigo -, a redução das restrições covid-19 na China e os eventos meteorológicos extremos causados pelas alterações climáticas são os principais drives de mercado que podem comprometer a estabilidade dos preços em 2023″, argumenta Ângelo Custódio.
Para Nuno Sousa Pereira, são três os principais fatores decisivos: “a evolução do conflito Ucrânia-Rússia, a escalada do conflito suporta preços mais elevados, com um maior risco geopolítico a levar à reativação de produção militar a nível mundial e a restrições de exportação/importação de algumas matérias-primas, especialmente as que constituem os sistemas de armamento e tecnologia avançada; o preço da energia, tem influência em todas as matérias-primas; e a evolução do rendimento disponível das famílias”.
Já Steven Santos defende que “uma pacificação ou intensificação do conflito militar na Ucrânia, uma viragem significativa na postura contracionista por parte da Reserva Federal ou uma recessão económica são fatores de diversa índole que poderão ter impacto nas matérias-primas. Acima de tudo, a ação dos principais bancos centrais irá determinar a liquidez disponível no sistema financeiro, podendo impulsionar ou penalizar a cotação de matérias-primas ligadas ao crescimento económico, como o petróleo, o o cobre ou o alumínio”.
Por seu turno, Paulo Rosa acrescenta que “uma agudização do conflito entre a Rússia e a Ucrânia, configurada na entrada explícita da NATO para o teatro de guerra, colocaria em causa, com alguma certeza, a melhoria do lado da oferta, aumentando novamente as dificuldades nas cadeias de abastecimento, impulsionando de novo os preços das matérias-primas, nomeadamente produtos agrícolas, fertilizantes e energia”.
Matérias-primas que vão brilhar e vão ofuscar
Petróleo, gás e cobre surgem no topo da lista dos analistas como as commodities que deverão ter um desempenho positivo em 2023 enquanto que, em sentido inverso, a soja, etanol e alguns metais são expectáveis registarem um comportamento menos positivo.
“A reabertura da economia chinesa tende a impulsionar a cotação do cobre, o principal metal industrial, do preço do petróleo e do gás natural. Mas uma recessão nas economias avançadas refrearia esse impacto. Certo é que o ano de 2023 vai ser caraterizado por várias forças antagónicas”, estima Paulo Rosa.
Do lado positivo, as matérias-primas em que Nuno Sousa Pereira está mais otimista são:
- Alumínio/Níquel – São metais em que a produção russa representa uma grande fatia das exportações mundiais e são importantes para a indústria e setor das baterias;
- Trigo – Matérias-primas agrícolas sobre as quais já existe no momento uma grande pressão. Este ano a campanha agrícola na Ucrânia e Rússia deve ser pior, pelo que pode gerar alguma pressão de subida de preços;
- Gás Natural – Dada a recente queda abrupta nos preços desde Agosto, penso que poderá existir um ângulo especulativo que justifique uma valorização;
- Urânio – Cada vez mais a energia nuclear está a ser vista, tanto na Europa como nos EUA, como uma alternativa à dependência externa relativamente à produção energética. 2023 deverá ver esse sentimento reforçado.
Do lado menos positivo, o mesmo responsável enumera:
- Soja – Apesar de ser uma alternativa ao trigo, as recentes boas épocas de chuva na Europa e EUA poderão ter um efeito de aumento do yield por hectare. Só deverá ser possível avaliar após o Inverno, com o “descongelar” (defrosting) dos campos;
- Etanol – Espera-se uma recessão, mesmo que ligeira, no mundo, pelo que o escoamento dos produtos energéticos fósseis pode pesar sobre o peso do etanol.
Por seu turno, Ângelo Custódio antecipa que “neste novo ano os hidrocarbonetos (Oil &Gas) podem voltar a ser as matérias-primas com melhor desempenho no mercado. Após uma valorização acima de 53% em 2022, a dinâmica que sustenta o aumento dos preços deverá continuar, dado que o apetite por energia continua a aumentar nas maiores economias mundiais e os constrangimentos do lado da oferta estão longe de serem resolvidos, com fortes limitações ou mesmo interrupções nas cadeias de distribuição”.
Em sentido inverso, o analista alerta que “o ano de 2023 deverá ser um desafio para o setor dos metais, com exceção do ouro que deverá manter-se relativamente estável face a outras matérias-primas do setor. Os riscos cada vez maiores de uma contração económica poderão limitar a procura de metais, com as principais economias mundiais a debaterem-se com os elevados preços da energia e dos produtos alimentares, podendo metais como o cobre ou o alumínio – importantes indicadores para o sentimento de crescimento de mercado – deixar de ser prioritários num potencial momento recessivo”.
Já Steven Santos prevê que “as mercadorias energéticas e agrícolas deverão ter os desempenhos mais fracos, dada a desaceleração global induzida pelos bancos centrais e que deverá resvalar para uma recessão global”. Por outro lado, o analista estima que “os metais preciosos, sobretudo o ouro e a prata, poderão ter os desempenhos mais positivos, beneficiando do dólar americano mais fraco e da compra por bancos centrais de países emergentes, com destaque para a China e a Rússia, que poderão estar a reduzir as suas reservas em dólares americanos”.
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