Hoje é Dia Internacional das Mulheres. Um dia que, infelizmente, ainda não pode ser ignorado.
Poderia citar vários estudos que demonstram que, em pleno ano de 2021 ainda há um gigante caminho a percorrer, mas deparei-me com um estudo que me deixou estupefacta. Dados do Fórum Económico Mundial mostram que, ao ritmo atual, as desigualdades entre homens e mulheres no acesso ao emprego, progressão na carreira e salários levarão 257 anos a corrigir. Ou seja, cerca de 11 gerações para se fechar o ‘gap’. Fiquei uns bons minutos a olhar para os números a confirmar se não estaria a ver mal. Não estava!
Entre as franjas sociais mais frágeis, as situações mais débeis encontram-se no público feminino. E mesmo em situações sociais de classe média e/ou alta, há quem mantenha relacionamentos (alguns até abusivos) apenas por não ter capacidade financeira para se auto-sustentar. As mulheres tendem a delegar as questões financeiras nos maridos e namorados, e não foram raras as vezes que, em mais de 15 anos, vi cenários complicados acontecerem no pós divórcio ou morte do cônjuge.
Hoje recordei-me da história da Mariana, que partilhei há 6 anos num texto:
“A Mariana é mãe de dois filhos e está a atravessar um processo de divórcio, não diria litigioso, mas que poderia ser mais amigável. Está atualmente atolada em dívidas e metade delas nem sabia da sua existência. E porquê? Porque se demitiu da função de gerir as suas finanças pessoais. Tal como outras mulheres, confiou cegamente no marido. Foi capaz de tudo, menos de gerir dinheiro.
“O erro foi assinar uns papéis do banco que ele me trouxe uma vez. Eu nem olhei. Afinal foi sempre ele que tratou de tudo”, disse.
A Mariana está desempregada há uns quatro meses e ainda está a tentar resolver o problema com o banco. Até meio do ano passado tudo corria bem, pensava ela. O casamento já não ia de vento em popa mas, financeiramente, não havia problemas. Até que chegou uma carta do banco. Como o marido estava em viagem, ela decidiu abrir a carta. Quando viu o conteúdo… nem queria acreditar. “Era o banco a ameaçar que nos ia tirar a casa se não regularizássemos a dívida”.
Tentou telefonar para o marido, mas como não estava a conseguir falar com ele, ligou directamente para o banco (algo que me confessou já não fazer há uns bons anos).
E foi naquele dia que descobriu que tinha um empréstimo de 50 mil euros que desconhecia por completo. Como foi dada a casa como garantia, se a dívida não fosse regularizada, teria de entregar a casa. Entrou em pânico.
Ela explicou ao gestor que desconhecia completamente a existência do empréstimo. Mas o gestor disse-lhe que a assinatura dela estava no crédito. Pediu então ao gestor que lhe enviasse toda a documentação, até porque não estava a conseguir falar com o marido. E foi aí que descobriu que, para além desse empréstimo de 50 mil euros, havia um outro (do carro) que também estava em incumprimento. Possivelmente teriam em breve de entregar o carro. Quando finalmente conseguiu falar com o marido confrontou-o com toda a situação.
“Mas eu tinha-te dito, na altura que pedi o empréstimo, que era para fazer a formação”, argumentou.
Ao que ela respondeu: “Eu não me lembro de nada. Além disso, não sabia que tinhas feito hipoteca da casa. Pensava que tínhamos apenas o crédito à habitação”.
“Então não reparaste que a prestação aumentou”, argumentou ele.
“Achas que eu sei quanto pagamos? Eu não percebo nada dessas coisas. Além disso as taxas estão sempre a subir e a descer”, respondeu a Mariana.
O marido explicou-lhe que foi a única forma de ter uma taxa de juro mais baixa.
“Dei-te os papéis para assinar mas tu também nunca ligas a nada de dinheiros”, rematou.
A discussão terminou naquele momento mas haveria de continuar mais tarde, quando regressou.
A Mariana diz que aquele foi o momento chave. Foi ali, naquele instante, que se deu o clique. Como foi possível permitir que financeiramente estivessem quase a falir sem que se apercebesse de nada?
Escusado será dizer que se o casamento não ia bem, com esta descoberta as coisas pioraram. Aliás, o dinheiro é apontado como uma das principais causas de divórcio. E se no caso da Mariana não foi a causa, certamente, acelerou.
Atualmente, a Mariana ainda anda a tentar resolver as coisas. Está a tentar negociar com o banco para que a tal dívida de 50 mil euros não lhe seja imputada. Tem ido a várias entrevistas e está, finalmente, em vias de conseguir voltar a trabalhar. Aliás, esse foi o motivo pelo qual me tinha ligado.
Financeiramente, hoje é outra pessoa. Por causa daquele incidente, a Mariana é uma inspiração até para outras amigas mais próximas que souberam do caso. Sinto orgulho quando me diz que, no último mês, conseguiu reduzir a fatura da luz, e poupa mais porque vai ao supermercado perto da mãe. Que decidiu abrir uma conta poupança para quando começar a trabalhar em fevereiro. “Nem que sejam 20 euros todos os meses”, diz.
Também há casos de Mários, em vez de Marianas. Mas, ainda são esmagadores os casos de Marianas.
A Mariana ligou-me a semana passada, no dia do meu aniversário, para me dar os parabéns. A Mariana tem a dívida quase saldada e é hoje uma mulher diferente! Ouvi-la falar de como tem as contas organizadas, tudo em dia, e tem total controle da sua vida financeira, deixou-me tão feliz quanto a ela. A educação financeira tem um papel também importante a ajudar mais Marianas, sejamos nós próprias, a nossa mãe, irmã, filha ou amiga!
* Texto publicado na newsletter Money Vision